terça-feira, 31 de maio de 2011

Dois de Espadas

M.C. Escher - Circle Limit 4
E se correr o bicho pega, e se ficar o bicho come...
Parece bobo, mas é isso mesmo. Uma sensação de não querer pensar nisso agora. Posso tirar férias? Vamos fugir? Aperta pause! Vamos mudar de assunto?

E fica que nem o pica-pau. Martelando constantemente na nossa cabeça, quanto mais fugimos, mais aparece no nosso sonho, ou alguém pergunta, ou sei lá. Que droga, que insuportável! Até aqui nesse texto vou ter de pensar nisso?
Vai.
Vou.

Com nosso herói Orestes foi assim. E os mitos estão aí para nos ajudar a explicar nossas
sensações, sentimentos, entender quem somos e como lidamos com as coisas. Todas as histórias mitológicas se encontram, os personagens se cruzam e por isso é difícil manter a linearidade.

A história, já adianto, é pesada, densa.
Agamenon e Clitemnestra eram rei e rainha de Argos. Foi um casamento arranjado, Agamenon matou o primeiro amor da mulher para conseguir casar-se com ela. Além disso, existia em sua família uma maldição: todos teriam muita dificuldade em usar a mente, em ser racionais, em saber negociar e aprender coisas novas. Diante de todo esse cenário, o casamento dos dois era muito sofrido e vingativo. Eles tiveram três filhos juntos: Electra, Ifigênia e Orestes.

Agamenon era irmão de Menelau (marido de Helena) e participou da guerra de Tróia. Ele deveria guiar o exército grego pelo mar e, ao longo do percurso, zombou da deusa Ártemis. Ela os castigou mandando uma tempestade que segundo o oráculo só se extinguiria caso Agamenon pedisse perdão à deusa, sacrificando uma de suas filhas. Isso, para ele, era necessário, pois só assim conseguiriam chegar a Tróia e lutar.

O rei de Argos manda uma carta para sua mulher informando que Ifigênia deveria ser enviada para o local do acampamento pois se casaria. Tudo foi arranjado para que Clitemnestra assim acreditasse, no entanto, Ifigênia foi sacrificada. Para Agamenon tudo dera certo, ele conseguiu o perdão de Ártemis e continuou viagem. Lutou na guerra e ajudou a destruir Tróia.

Clitemnestra ficou arrasada e sozinha no reino, uniu-se com Egisto que virou seu amante, e juntos planejaram o fim de Agamenon. Para que nada saísse errado, Orestes foi enviado a outra cidade, assim ele não tentaria impedi-la.

A carta Dois de Espadas no baralho de tarô mitológico é ilustrada com Orestes ao centro, com os olhos fechados e as mãos cobrindo os ouvidos. De um lado está sua mãe, Clitemnestra, com uma espada apontada na direção oposta; e do outro lado, Agamenon, seu pai, em uma posição semelhante à da mãe, de forma que as espadas se cruzam em sua frente.

Esse momento de pausa mostra como Orestes está parado, colado ao chão.
Ao mesmo tempo em que ele não se envolve e não é infeliz, ele não toma partido e não faz sua escolha e, portanto, também não é feliz.

Quando algo grandioso e novo cruza nosso caminho, tendemos a enxergar apenas os extremos. E, dessa forma, congelamos, ficamos parados sem tomar atitude nenhuma, ficamos desconfortáveis com o som do pica-pau na nossa cabeça, mas fingimos uma calma que não faz parte da gente. O objeto, o ponto de vista, o caminho, precisa ser escolhido, precisamos saber abrir mão, sofrer ou agarrar e assumir a responsabilidade. Sabemos disso, mas adiamos ao máximo fingindo essa tranqüilidade do não envolvimento.

Mas chega uma hora em que não dá mais para empurrar com a barriga. Uma hora a conta chega, diz um amigo meu. E aí não vale nos culparmos pela nossa não-escolha ou falta de envolvimento.

Assuma! Espante o pica-pau da sua cabeça! Vai atrapalhar outra pessoa, porque eu vou assumir quem eu sou e escolher meu partido. (Hahahha, até parece que é fácil!!!! Mas se te conforta, até os gregos já pensaram nisso...)

terça-feira, 24 de maio de 2011

Os Enamorados

Illustration by Carl Jung in "The Red Book"
Você já se sentiu em uma encruzilhada?
Em um momento de uma escolha muito difícil?
A vida adulta acaba nos proporcionando estas experiências, ter de escolher entre alguns caminhos. Conforme a gente vai amadurecendo a decisão fica mais rápida, mais óbvia. Mas mesmo assim, ainda vivemos situações em que a escolha é muito difícil.

Normalmente porque as opções que temos nos trazem diversas dúvidas, nos deixam muito inseguros. Como é difícil não saber o que vai acontecer! E se eu me arrepender dessa escolha mais pra frente? Infelizmente não temos como saber... E assim ficamos parados, no meio da encruzilhada, analisando e re-analisando prós e contras de cada movimento.

“Em trabalhos práticos de física, qualquer aluno pode fazer experimentos para verificar a exatidão de uma hipótese científica. Mas o homem, por ter apenas uma vida, não tem nenhuma possibilidade de verificar a hipótese por meio de experimentos, por isso não saberá nunca se errou ou se acertou ao obedecer ao seu sentimento.” (A Insustentável Leveza do Ser, Milan Kundera)

E para mim, o mais difícil é isso: obedecer nosso sentimento. Porque quando temos opções e ficamos realmente na dúvida, todas as nossas escolhas envolvem nossos sentimentos: qual caminho me fará mais feliz? No fundo é isso que pensamos.

A carta Os Enamorados, no baralho do tarô mitológico, conta a história do Julgamento de Páris e retrata uma escolha extremamente complicada que esse jovem príncipe teve de fazer. Tudo começou com uma maçã banhada a ouro que apareceu em uma festa de casamento no Olimpo. Era a celebração da união entre Peleu e Tétis em que Éris, deusa da discórdia, furiosa por não ter sido convidada, lançou para Zeus a jóia gravada com os seguintes dizeres: “para a deusa mais bela”. Imediatamente, Hera (deusa da família e da união), Atena (deusa da justiça) e Afrodite (deusa da beleza e do amor), se prontificaram em receber o presente. Zeus entendeu, então, o quão delicado seria escolher a deusa mais bela: ao escolher uma, estaria ‘abandonando’ as outras duas.

Estrategicamente, Zeus convocou Hermes, mensageiro dos deuses, para ir até o mundo mortal e delegar essa tarefa para alguém. As 3 deusas o acompanharam e Hermes encontrou com Páris, príncipe de Tróia, que foi o escolhido para eleger a dona do pomo dourado. As deusas se apresentaram, cada uma oferecendo uma recompensa pela sua escolha: Hera lhe concederia a paz e a união dos povos em seu reinado, Atena lhe daria o pensamento estratégico em guerras e conflitos e Afrodite ofereceria-lhe o amor da mais bela jovem, da moça que ele quisesse.

Que dúvida! Que grande dúvida!
Estava claro para Páris a grande responsabilidade que seria escolher uma das 3. Mas era sua tarefa, ele deveria fazer essa escolha. E não é uma escolha prática, não estamos falando qual das 3 vai oferecer mais súditos, mais riquezas... não! A escolha é subjetiva, é o coração quem manda: qual das 3 é a mais bela?

Essa história tem um grande desdobramento e lá na frente vai ser responsável pela guerra de Tróia. Aqui, vamos nos concentrar nessa primeira parte do mito que é conhecido como O Julgamento de Páris. Páris escolheu Afrodite como a deusa merecedora do pomo de ouro, não era por menos, ela é a deusa da beleza. Por mais difícil e comprometedora que fosse essa escolha (Páris comprou uma briga feia com Hera e Atena), foi isso que seu coração, sua intuição pediu para ser feito e era exatamente esse caminho que seria seguido, de um jeito ou de outro.

Essa escolha representa o momento em que nos diferenciamos como indivíduo, o momento em que nos tornamos únicos e nos responsabilizamos pelas nossas escolhas. Aqui, Páris ouve seu coração e se mostra adulto, maduro e as conseqüências são apenas dele. Sentiu a responsabilidade dessa etapa?

A carta Os Enamorados nos traz um momento de extrema felicidade, alegria, amor e muita realização, pois é uma escolha que fazemos com o coração. Mas essa carta também traz consigo a grande responsabilidade dessa escolha, o alto preço que pagamos (internamente) pelo nosso amadurecimento e pela nossa conquista em bancar isso tudo sozinhos.

Muitas dúvidas e inseguranças ainda estão por vir, já sabemos disso no minuto da escolha. Mas o aprendizado que ganhamos nesse processo é só nosso e o conforto emocional que temos também. Ninguém pode tirar isso de nós e ninguém pode nos ensinar isso. A satisfação desse aprendizado é enorme, única e só vamos saber disso se seguirmos nosso coração e bancarmos nossa escolha.

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Cavaleiro de Paus


Golden Tarot of Klimt - Knight of Wands

Uma vez, li sobre uma classificação que dividia as pessoas em iniciativas, acabativas e empreendedoras. As iniciativas são pessoas que têm muito potencial para começar um novo ideal; as acabativas conseguem dar continuidade a algum projeto; e as empreendedoras têm uma visão mais ampla do todo e, mesmo não participando de toda a execução, conseguem articular do desenvolvimento à conclusão.

Isso me lembrou um herói mitológico chamado Belerofonte.
Belerofonte chegou a Tirinto e foi muito bem recebido pelo rei. Como ele era muito sedutor, a rainha Antéia apaixonou-se por ele, e para evitar qualquer fatalidade, Belerofonte foi enviado para uma missão: a destruição de Quimera, monstro de aparência horrenda que soltava fogo pela boca.

No caminho de sua missão, Belerofonte foi alertado por um vidente que teria sucesso se domasse o cavalo alado Pégaso. Com a ajuda de Atena e um freio de ouro, Belerofonte conseguiu capturar o cavalo e, sobrevoando o local onde Quimera estava, lançou uma flecha com ponta de chumbo. Quimera, furiosa, urrou e jorrou seu fogo que derreteu o chumbo e acabou por matá-la.

Belerofonte, nosso herói, ficou tão satisfeito com sua conquista que ousou realizar qualquer coisa, inclusive o impossível: voou com Pégaso até o Olimpo. Zeus, chocado com tamanha audácia, acertou um raio em Pégaso que não resistiu e morreu.

Essa história é representada pelo Cavaleiro de Paus no baralho de tarô mitológico. E quando ela aparece em um jogo, mostra um momento de muitas novidades e desafios que estão por vir e que não podem mais ser evitados. O Cavaleiro de Paus mostra também a coragem e a audácia de acreditar que tudo é possível, que mesmo o monstro mais feroz pode ser enfrentado e a aventura mais absurda pode ser realizada. Ele tem um grande potencial de ser ouvido, consegue movimentar pessoas pelo seu ideal, consegue convencer os outros e a si mesmo que aquela crença é verdadeira.

Belerofonte representa o poder da iniciativa, de difundir uma idéia, uma ação, um objetivo e conseguir se convencer que só aquilo pode ser feito. Mas ele acaba cego pelo seu próprio ego, e não percebe que, por sorte, com a ajuda de Atena consegue domar Pégaso e matar Quimera. Falta em nosso herói o poder do empreendedor, de analisar o todo complexo e ver quais passos ele pode dar e em que momento ele pode fazer isso.

Ao mesmo tempo em que o Cavaleiro de Paus nos dá o poder da novidade, da energia para a aventura, nos traz também a desconfiança da incerteza, de algo não muito maduro. Belerofonte está muito mais perto de sair do Pégaso e começar uma nova aventura com outros tantos riscos do que ‘enterrar’ seu cavalo antes de começar tudo de novo. 

Assim, o grande aprendizado dessa carta é nos posicionarmos como um empreendedor, que enxerga o todo, que está pronto e motivado para a batalha, que tem estratégia e não conta apenas com a sorte. Nossa energia da iniciativa deve se manter de forma coerente para não nos perdermos: ser o empreendedor que consegue entender isso, e não o Belerofonte que é apenas iniciativo.