terça-feira, 30 de novembro de 2010

A Morte

Pomegranate tree - www.rissmoon.com
De repente, A Morte aparece vinda de algum lugar e sentimos a surpresa da perda de alguém, de alguma coisa, de um ideal, da gente mesmo...

Dói muito chegar aqui. Não conseguimos inspirar, parece que vem um caminhão de lixo e tenta entrar pelas nossas minúsculas narinas. O pulmão sente um ar carregado e dentro da mente fica martelando a idéia do "e se não fosse assim?" Não dormimos: insônia. Não comemos. Só pensamos no "e se..." Vontade de chorar, gritar, bater. Imaginamos cenas indo até o vaso e vomitando coisas de várias cores e formatos. Sentimos o estômago, o intestino solta, tremedeira, sede, confusão... Queremos contar tudo só pelas lágrimas. É muito pesado! Dá vontade de desenhar, de escrever, de ouvir música. Talvez seja o momento em que mais sentimos o presente, e se nesse momento pegarmos um papel, sai um monte de coisa lá de dentro, um parto normal cheio de dores, odores, líquidos, sangue, placenta.

Outra opção é sentirmos exatamente tudo isso mas dormindo. Um sono absurdamente pesado que não nos tira da cama por horas seguidas, às vezes dias. Como um imã, que nos atrai e qualquer mínimo movimento é difícil porque a cama nos puxa de volta.

Aí começamos a melhorar e vamos sentindo apenas a inércia, parece que alguma coisa puxa. Puxa o levantar da cama, o sorriso. Mas ainda não dá prazer. A Morte é difícil, dolorida e sentimos cada segundo dela, dentro e fora do nosso corpo. O momento de lucidez que nos conforta é pensar "pelo menos acabou", mas isso passa tão rápido que nem nos damos conta. E voltamos a sentir tudo aquilo de novo.

Tem situações que aparecem apenas para nos trazer algum aprendizado. É como uma pessoa que um dia na vida você encontrou e ela sem querer te indicou um curso ou apresentou um amigo que mudou sua vida e você nunca mais a viu. A Morte é assim, uma passagem que por algum motivo apareceu, motivo que pode ficar muito pequeno. É o obstetra do parto: mulheres precisam de um para auxiliá-las, mas não é ele quem vai cuidar do bebê. O parto natural é dificílimo, será integralmente sentido pela mãe, com todas as dores e prazeres.

A Morte é o parto natural. É sentir a presença física e emocional da dor e do amor. E a gente é o obstetra dessa passagem. O bebê virá saudável se o obstetra souber lidar com tudo aquilo que ficará exposto.

É difícil enxergar, mas A Morte tanto na nossa vida quanto no baralho de tarô nos traz um difícil recomeço. Uma nova oportunidade de ver o mundo em outra perspectiva. Apesar da dor, sabemos que o tempo passa e a cicatriz se forma.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

O Julgamento

Mercurio  - Ercolano Scavi - Italia
Ouvi uma frase outro dia que dizia assim: a maturidade é quando estamos prontos para lidar com as perdas causadas pelas nossas escolhas. Isso mesmo: lidar com as perdas. Porque ganhar coisas, na maioria das vezes, é bom e também mais fácil de lidar. Agora, perder coisas... nem sempre estamos prontos.

E funciona assim: temos de fazer escolhas, sempre. Até quando não escolhemos, na verdade estamos escolhendo. É a pílula azul ou vermelha do Matrix: você tem a opção de escolher uma ou outra. Mas a partir do momento em que escolhemos uma delas, temos de bancar todos os ganhos que teremos com essa escolha e automaticamente todas as coisas que deixaremos de lado ao não escolher a outra opção.

Temos de elaborar um novo modelo, um novo contrato. Aprender a estar numa situação nova que além de regalias nos priva de algumas coisas. E é preciso entender que podemos sempre escolher e podemos sempre avaliar aquilo que vamos perder.

A carta O Julgamento no baralho de tarô fala exatamente deste preparo que temos internamente para deixar coisas para trás e negociar novas conquistas. No tarô mitológico é Hermes (Mercúrio), deus de tantas facetas.  Só para contar um pouquinho sobre ele, podemos reconhecê-lo pelo bastão que ele carrega com duas serpentes (caduceu) e por seus pés alados. Como característica, Hermes consegue ver as opções; mesmo sem querer ele tem esse preparo para ver o todo, e assim, poder escolher.

Escolhas que muitas vezes não percebemos serem viáveis. Exemplo: quando estamos enlouquecidos na vida profissional estressante, cheia de abusos que vão dos colegas aos clientes e chefes. Vivenciando relações estranhas no ambiente de trabalho, onde a gente só tem a opção de fazer o que foi pedido e ficar até tarde, perder o happy hour, o beijo na boca, a academia, a aula da pós... Nos resta dormir mal, acordar mal humorado, comer muito ou comer pouco, beber café, café, café, não ter tempo para fazer o projeto do jeito que deveria ser feito, frustrações...

O mesmo vale para a vida pessoal: uma viagem que não sai do papel, um relacionamento que não caminha, uma proposta de emprego que não aparece, uma companhia agradável que é pouco aproveitada, um livro que não lemos... e assim vai.

É isso? Lidamos com frustrações? E aí, reclamamos dos insucessos? Não. Podemos negociar. Mas negociar significa fazer escolhas e significa lidar com perdas. Isso que é tão difícil. Enxergar as escolhas e combinar com aquilo que não sabemos. Ao mesmo tempo em que encanta viver um ‘contrato’ novo ou tomar uma pílula nova, apavora a idéia de mudar.

O problema é que, na maioria dos casos, somos todos egoístas em algum ponto.  Uma amiga acrescentou: egoístas e prepotentes, porque acreditamos que a escolha que fizemos é a opção correta e ponto. E queremos que a escolha feita só nos traga ganhos, sem ter de pensar ou falar sobre as perdas com ninguém, nem com a gente mesmo, afinal, a escolha é nossa.

Doce ilusão, não é?  Sempre vamos deixar alguma coisa de lado. E para ser menos dolorido precisamos nos reinventar, resolver, lidar. Evitar as frustrações. Mais tarde, ou às vezes nunca nos damos conta das coisas que poderíamos ter negociado. Nos fechamos, sem querer, para as opções, apenas pelo fato de ter que lidar com as perdas.

Hermes que aparece aqui não é melancólico nem inseguro. Na carta O Julgamento, ele sabe que tomar uma decisão específica vai determinar uma série de outras relações que virão. E ele está pronto para bancar tudo isso. Ele consegue ver o todo, está pronto para deixar coisas de lado, expressar claramente o que quer e escolher. Ele não vai se desesperar. Sim, é a maturidade. E a maturidade é quando estamos prontos para lidar com as perdas causadas pelas nossas escolhas. E estamos prontos?

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Ás de Espadas


Restaurante em Toledo - Espanha

Acabei de ler um livro muito legal chamado O dia do Curinga de Jostein Gaarder, o mesmo autor do Mundo de Sofia. Acho até que demorei para ler esse livro, mas as coisas acontecem no momento certo, sempre soube disso.


A história é repleta de fantasia, é uma viagem de pai e filho pela Europa (da Noruega até a Grécia) em busca da mulher / mãe que os abandonou com a intenção de 'se encontrar'. Mas o bacana do livro é a estrutura dele, dos diálogos e reflexões até a organização dos capítulos.

O livro é contado pelo filho, um garoto que vê o pai como um filósofo colecionador de curingas de baralho. Fazendo uma alusão à tudo isso, os capítulos são divididos conforme as cartas do baralho e, o primeiro capítulo é o Ás de Espadas.

A carta Ás de Espadas no tarô representa o começo de alguma coisa que ainda está muito imatura, está começando a nos incomodar e está nascendo lá na nossa cabeça, no nosso mundo das idéias. Normalmente ainda não está muito claro o que é, mas certamente é algo que nos deixa ansiosos, em dúvida, inquietos.

No tarô mitológico (Juliet Sharman-Burke e Liz Greene) quem representa essa carta é a Atena (ou Minerva), deusa da Justiça. Podemos reconhecer a Atena pois quase sempre ela vem representada com uma espada em uma de suas mãos e uma balança na outra, isso porque ela traz o equilíbrio e a justiça com algum esforço. A Atena foi escolhida para ilustrar essa carta pois sua espada tem dois gumes, assim como a mente humana.

O que realmente me fascina nas cartas de espadas e, principalmente nessa carta inicial, é o poder que nós temos dentro dessa nossa caixola e que muitas vezes nós ignoramos ou nem sabemos disso. Puxa vida! Se somos capazes de criar úlceras de estress, porque não somos capazes de curá-las? Ou evitá-las pelo menos?

Dentro da gente conseguimos criar uma novela inteira, cheia de personagens e tramas. Conseguimos fazer a viagem mais maravilhosa ou a pior de todas. Temos o poder do corpo aqui dentro, mas o desconhecido ao nosso redor nos assusta tanto que nos tira essa concentração. Talvez seja um dos motivos de ser tão difícil praticar a meditação.

Não é fácil passar pelo Ás de Espadas, ele aparece na nossa vida e muitas vezes demoramos muito para entender o que é. Essa dúvida constante que fica na nossa cabeça e a angústia de saber a resposta da dúvida é característica base dessa situação. Mas, o resultado é bom, é um grande aprendizado que ninguém tira da gente.

Tenho vários amigos na faixa dos 30 anos que estão passando por alguma angústia, dúvida. Uma sensação de não saber o que fazer, de não ter ação porque simplesmente não sabe como agir, mas sabe que do jeito que está não está bom. Astrólogos podem associar este momento ao trânsito de Saturno, um planeta que normalmente aparece em nosso mapa aproximadamente de 7 em 7 anos e ele anuncia grandes mudanças. Mas viver essas grandes mudanças é difícil, principalmente porque a gente não entende qual é a grande mudança e nem qual será o resultado. A gente enxerga a casa de pernas para o ar, a gente se vê no olho do furacão, mas não vemos a famosa luz no fim do túnel.

Pressões de trabalho, relacionamentos, situações nos exigindo responsabilidade... Vamos fazendo, vamos fazendo... Mas qual o sentido? Onde estamos indo? É isso mesmo que EU quero da minha vida?

E tudo é tão doloroso porque esperamos alguma coisa que não sabemos o que é, é uma expectativa de dúvidas, como num luto. E penso que ao passar da juventude para a fase adulta, somos surpreendidos por alguns lutos: o luto da liberdade, o luto da ingenuidade, o luto da responsabilidade. E não seriam esses lutos os nossos “Ases de Espadas”?

O livro O dia do Curinga começa com o capítulo Ás de Espadas e eu começo meu blog com o mesmo capítulo. Seja bem vindo Ás de Espadas, nos traga essas dúvidas. A resposta, já sabemos, está dentro da gente.