quarta-feira, 24 de novembro de 2010

O Julgamento

Mercurio  - Ercolano Scavi - Italia
Ouvi uma frase outro dia que dizia assim: a maturidade é quando estamos prontos para lidar com as perdas causadas pelas nossas escolhas. Isso mesmo: lidar com as perdas. Porque ganhar coisas, na maioria das vezes, é bom e também mais fácil de lidar. Agora, perder coisas... nem sempre estamos prontos.

E funciona assim: temos de fazer escolhas, sempre. Até quando não escolhemos, na verdade estamos escolhendo. É a pílula azul ou vermelha do Matrix: você tem a opção de escolher uma ou outra. Mas a partir do momento em que escolhemos uma delas, temos de bancar todos os ganhos que teremos com essa escolha e automaticamente todas as coisas que deixaremos de lado ao não escolher a outra opção.

Temos de elaborar um novo modelo, um novo contrato. Aprender a estar numa situação nova que além de regalias nos priva de algumas coisas. E é preciso entender que podemos sempre escolher e podemos sempre avaliar aquilo que vamos perder.

A carta O Julgamento no baralho de tarô fala exatamente deste preparo que temos internamente para deixar coisas para trás e negociar novas conquistas. No tarô mitológico é Hermes (Mercúrio), deus de tantas facetas.  Só para contar um pouquinho sobre ele, podemos reconhecê-lo pelo bastão que ele carrega com duas serpentes (caduceu) e por seus pés alados. Como característica, Hermes consegue ver as opções; mesmo sem querer ele tem esse preparo para ver o todo, e assim, poder escolher.

Escolhas que muitas vezes não percebemos serem viáveis. Exemplo: quando estamos enlouquecidos na vida profissional estressante, cheia de abusos que vão dos colegas aos clientes e chefes. Vivenciando relações estranhas no ambiente de trabalho, onde a gente só tem a opção de fazer o que foi pedido e ficar até tarde, perder o happy hour, o beijo na boca, a academia, a aula da pós... Nos resta dormir mal, acordar mal humorado, comer muito ou comer pouco, beber café, café, café, não ter tempo para fazer o projeto do jeito que deveria ser feito, frustrações...

O mesmo vale para a vida pessoal: uma viagem que não sai do papel, um relacionamento que não caminha, uma proposta de emprego que não aparece, uma companhia agradável que é pouco aproveitada, um livro que não lemos... e assim vai.

É isso? Lidamos com frustrações? E aí, reclamamos dos insucessos? Não. Podemos negociar. Mas negociar significa fazer escolhas e significa lidar com perdas. Isso que é tão difícil. Enxergar as escolhas e combinar com aquilo que não sabemos. Ao mesmo tempo em que encanta viver um ‘contrato’ novo ou tomar uma pílula nova, apavora a idéia de mudar.

O problema é que, na maioria dos casos, somos todos egoístas em algum ponto.  Uma amiga acrescentou: egoístas e prepotentes, porque acreditamos que a escolha que fizemos é a opção correta e ponto. E queremos que a escolha feita só nos traga ganhos, sem ter de pensar ou falar sobre as perdas com ninguém, nem com a gente mesmo, afinal, a escolha é nossa.

Doce ilusão, não é?  Sempre vamos deixar alguma coisa de lado. E para ser menos dolorido precisamos nos reinventar, resolver, lidar. Evitar as frustrações. Mais tarde, ou às vezes nunca nos damos conta das coisas que poderíamos ter negociado. Nos fechamos, sem querer, para as opções, apenas pelo fato de ter que lidar com as perdas.

Hermes que aparece aqui não é melancólico nem inseguro. Na carta O Julgamento, ele sabe que tomar uma decisão específica vai determinar uma série de outras relações que virão. E ele está pronto para bancar tudo isso. Ele consegue ver o todo, está pronto para deixar coisas de lado, expressar claramente o que quer e escolher. Ele não vai se desesperar. Sim, é a maturidade. E a maturidade é quando estamos prontos para lidar com as perdas causadas pelas nossas escolhas. E estamos prontos?

16 comentários:

  1. Mercúrio andou malhando os glúteos hein

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  2. A pior escolha é não escolher. Existem 'n' possibilidades de escolhas na vida e não escolher a pílula azul ou vermelha (pensando no exemplo de Matrix) é uma delas.

    O quê nos faz inteligentes é nossa capacidade de fazer escolhas, de julgar, decidir. Inteligência = inter (entre coisas) + legis (escolhas ou regras). Um ser inteligente é aquele que faz escolhas, seguro, sem medo de errar. Não escolher entre a azul ou vermelha é burrice.

    Abrass!

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  3. uau... um belo xubaba hein? mas é isso menino... às vezes não estamos prontos para escolher não... e nem pra compartilhar nossas escolhas. amadurecer é um processo... e ser imaturo não é burrice. é só ser imaturo, rs.

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  4. O ser humano quer muito e sempre ser livre. Então ele tem a liberdade de escolher, por exemplo, e entra em crise. É preciso saber ser livre. :) Emerson

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  5. Ser inteligente é a capacidade de fazer escolhas , certo ? Como fica o "tigre" pois na caçada seleciona na manada a presa que lhe parece mais frágil , vulnerável? Inteligência ou instinto de sobrevivência ? Em muitas de nossas escolhas acredito que nosso instinto animal de sobrevivência se sobrepõe à nossa inteligencia . Tia Helô

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  6. Tita, que delícia de texto. Você escreve muito bem, muito claramente. Quero que a Lolinha escreva assim, depois você ensina?

    Adorei tb os comentários do Mauro e da Tia Helô... Acredito muito nessa história do instinto animal, é claro que muitas vezes escolhemos o que é mais fácil, o que temos a certeza que não nos dará tanto trabalho...

    Mas o que eu mais gostei mesmo foi do xubaba. Há décadas não ouvia isso! hahaha

    Bjão.

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  7. Quanto ao discurso sobre a maturidade, muito legal. Gostei mais ainda da explicação do Mauro, lembrando um professor meu de evolução: "Que bicho é mais inteligente, um sapo ou uma pomba?". Todo mundo falava pomba, mas a resposta era nenhum dos dois. Os dois são igualment einteligentes. Um sapo, uma pomba, um ser humano, um peixe. Afinal, todos fazem escolhas que os permitem viver com sucesso.
    Quanto ao texto: não gostei muito da forma como você escreveu esse segundo post. Senti que nessa mistura tem um pouco de texto científico, um pouco de "voz da consciência" e um pouco de sensacionalismo que me parece uma tentativa desnecessária de cativar o leitor. ex: será? estamos prontos? Sim, é a maturidade... Minha sugestão: prenda o leitor com a cientificização do seu discurso em um texto palatável ao leigo. Crie a demanda através do conhecimento. Ensine o leitor a precisar do seu texto. Abs Ots

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  8. O Flá chegou aqui e estava mostrando o blog para ele e ele disse que o Mauro herdou o dicionário etimológico da tia Emília. Ela sempre falava para o Flá o significado das palavras... ;)

    Bjs!

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  9. Boa...estou aguardando o seu próximo comentário. Espero que seja a melhor escolha entre tantos temas.
    bjs.

    ps - guarde-os para um futuro livro.
    jccm

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  10. sobre o que disse a helena (helô):

    Autor anônimo: todo dia o leão (predador) levanta-se e sai à caça sabendo que fará um esforço enorme para não morrer de fome. Todo dia a gazela levanta-se sabendo que fará um esforço enorme para não virar comida de leão. É o ciclo da vida animal irracional.

    sobre o que disse o mauro:
    Para pensar: Inteligência, me parece, é característica humana. Outros animais têm 'capacidade de aprendizado', não inteligência. O chimpanzé, ensinado por humanos, aprende andar de bicicleta. Não é, porém, capaz de ensinar o chimpanzezinho a fazer o mesmo.

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  11. Legal Sil...
    To gostando muito de seus posts!!
    beijãoo
    Thais

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  12. Amiga, quem de nós nos amaria ter o poder de Hermes, ser capaz de entrar e sair de todos os lugares? Quantas vezes nos deixamos prender em situações desgastantes por anos, lamentando, sofrendo sem nada fazer? Na minha opinião estamos maduros quando tomamos as rédeas da nossa vida e vamos ao encontro do nosso futuro, e ele é algo que nós desenhamos. Bejocas. J'Ane Senra

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  13. Sil!!! Estou adorando! Parabens pelo blog.. Inclusive, recebi ontem um selo de qualidade dos blogs e tenho a missão de passa-lo para outros 10 blogs que gosto. Escolhi o seu como um deles! Passa no meu blog para entender tudo!!! Saudadeeee Bjs Taiz

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  14. Sil, seu blog está demais!

    Este sobre maturidade fala exatamente de tudo que o ser humano mais tem medo, da perda. E porque queremos tanto agarrar tudo e não perder nada? Eu acredito que não fomos educados para aceitar a perda, por mais que o discurso esteja por aí, não se forma a consciência de que é sim natural escolher, ganhar, perder... um eterno ciclo, faz parte da vida.

    Mto bom seu texto, parabéns!

    beijoca

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  15. Sil, gostei ainda mais deste!!! Bjo

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  16. Sil, muito lindo! O pior do momento da escolha é que geramos expectativas demais, sonhamos demais e queremos somente o melhor. E fatalmente, em algum ponto isto vai acabar em frustração. Mas mesmo a frustração nos deixará mais forte, para a próxima ação. Adorei o texto. Milhões de beijos.

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