quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Pajem de Copas

Narciso - Redouté Flowers and Fruits
Dois personagens que se encontram na mesma história: Eco e Narciso. Cada um com suas diferenças e particularidades vão viver aqui um encontro. Mas antes dessa história começar, só peço para que você tente se colocar no lugar dos dois, olhe pelos olhos de cada um deles: visões diferentes de mundo.

Narciso, um rapaz belíssimo, tão lindo que sua mãe com medo dele receber um castigo divino - afinal, ser belo era uma afronta aos deuses –  o privou de ver sua própria imagem. A beleza de Narciso despertava a atenção de crianças, homens e mulheres e com o passar dos anos, o assédio que sempre foi muito grande começou a ficar insuportável. Narciso então, se sentia mais à vontade nos bosques, em contato com a natureza e os animais.

Um dia, Narciso voltava de uma caçada quando Eco o viu: paixão imediata! Ele é lindo!

Eco era uma ninfa muito tagarela. Viveu por um tempo no Olimpo antes de ir para os Bosques. No Olimpo, para ajudar Zeus em uma de suas aventuras extraconjugais, ela ocupou Hera com suas histórias. Quando Hera descobriu, furiosa, castigou Eco a nunca mais elaborar uma frase. Eco só conseguiria repetir os últimos sons que lhe falassem. Assim, deixando de ser compreendida, fugiu para os bosques onde viu Narciso e por ele se apaixonou.

O encontro Narciso-Eco:
Narciso: Quem é você?
Eco: Você...
Narciso: O que você quer?
Eco: Quer...

Olha só como isso está perto da gente, imagine um relacionamento:

Eu vou jogar video-game.
Video-game...

Ou ainda:
Eu vou trabalhar no final de semana.
Final de semana...
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Quero ir à festa sozinho(a).
Sozinho...
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Preciso de um tempo.
Tempo...
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Zero negociação nesses discursos!

Na minha reflexão, façamos um esforço para nos colocar no lugar dos dois: um que só pede e outro que só repete. Quem é você? Ou quem você já foi?

Mas aqui, na carta Pajem de Copas no baralho de tarô, estamos falando de Narciso, jovem encantador que, mesmo muito novo, sabe o que quer. O relacionamento com Eco não dá certo, mas Narciso mostra a possibilidade de amar de novo, de se perder de paixão, e isso tudo começa com o amor que sentimos por nós mesmos: o amor próprio. Sua beleza é apaixonante, Eco se encanta por ele e ele mesmo se encanta por seu reflexo, mostrando que é possível sentir coisas.

Parece que depois de um tempo distante de relações, começamos a nos enxergar e a querer fazer as nossas próprias afirmativas. É só nos atentar para não permitir que sejamos ‘Eco’, devemos querer coisas e confiar em quem somos, assim como Narciso confia nele. O relacionamento Narciso-Eco não tem troca, ele nos abre possibilidades de amor, novas possibilidades emocionais, mas para ter sucesso devemos dar um passo além, Narciso precisa reconhecer o outro e Eco precisa aprender a ser alguém na relação. É a troca.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Cinco de Copas

http://postercabaret.com/bangbyblancagomez.aspx
O mito de Eros e Psiquê é um lindo romance, cheio de amor, paixão, inseguranças e provações. Várias partes desta história me interessam, mas aqui vou falar de uma em especial.

Logo que eles se apaixonam e ficam deslumbrados um com o outro, Eros impõe como condição de sucesso do amor que Psiquê jamais olhe para ele. Ela aceita a condição, afinal de contas ele é o amor da vida dela! Mas em uma certa altura do relacionamento, cheia de dúvidas e inseguranças sobre esse pedido, Psiquê ilumina a face de Eros enquanto ele dormia para vê-lo de perto. Ele acorda, a acusa de traição e vai embora. A história continua, mas é aqui que começam meus pensamentos.

Que pedido mais ambíguo esse, hein?
"Se você me ama, por favor, jamais veja quem eu realmente sou!" Eros não estaria pedindo para Psiquê trai-lo? E Psiquê não estaria concordando que um dia essa traição aconteceria?

Quantas vezes não concordamos com traições que deveriam ser evitadas? Quando deixamos de lado coisas que valorizamos, é um tipo de traição contra nós mesmos. A gente nem percebe, mas nossa essência se machuca. E acontece em todo tipo de relacionamento, mas principalmente naqueles que estamos mais envolvidos emocionalmente.

A carta Cinco de Copas do baralho de tarô é o exato momento em que Eros acusa Psiquê de traição e lá fica ela se culpando por tal feito. Fica remoendo coisas e pensando como pode ser capaz de fazer uma coisa dessas. É o remorso por ter feito algo, a culpa. Mas seria ela culpada?

Na vida real, nem sempre Eros pede claramente para a gente abrir mão de alguma coisa. Na vida real a gente se trai de graça, sem um pedido oficial. A gente se convence que nem tudo é perfeito e acabamos concordando com atitudes e ações que ferem nossa essência. Depois, muito depois, traídos por nós mesmos não nos reconhecemos. Sentimos remorso e culpa e temos de tentar juntar os pedacinhos que sobraram da gente para tentar entender quem somos de verdade.
Ficamos machucados porque esquecemos por um instante quem nós somos e o que realmente é importante para nós. O remorso que Psiquê sente é meio misturado: um pouco por ter feito algo que não devia, um pouco por ter deixado de lado quem ela realmente é.

Open your eyes - diz no Vanilla Sky.
Saiba quem você é e o que você precisa para ser feliz. Aprenda a lidar com os remorsos e culpas de sua própria traição, mas saiba também limitar os espaços e fazer seus pedidos.
Aprenda a trocar, a crescer, sem se perder, sem se trair.